Mesa discute "O Estado e o Direito brasileiros na construção de um sistema participativo, justo e soberano de regulação das plataformas e de proteção de dados"
"O Estado e o Direito brasileiros na construção de um sistema participativo, justo e soberano de regulação das plataformas e de proteção de dados" foi o tema da mesa realizada na manhã desta sexta-feira (05/12), na Conferência Nacional dos Agentes Produtores e Usuários de Dados (CONFEST/CONFEGE), que acontece em Salvador (BA). Moderada pelo Profº Dr. Homero Chiaraba Gouveia, Doutor em Direito – UESC; a mesa teve como palestrantes Profº Dr. Lauricio Alves Carvalho Pedrosa – UESC; e Profª Drª Natália Silveira – UESC; e o Profº MSc. Uirá Menezes de Azevedo – UNEB.
Durante a mesa, na Escola SESI, os especialistas discutiram como a utilização de novas tecnologias modificou profundamente a forma de interação entre as pessoas. Ressaltaram que, ao mesmo tempo em que facilitou a comunicação e a aquisição de produtos e serviços, ampliou o potencial lesivo de determinadas práticas, agravando a vulnerabilidade das pessoas e grupos atingidos, em especial por meio da coleta, tratamento e compartilhamento indiscriminados de dados pessoais, voltados para influenciar ou até mesmo manipular a vontade dos usuários para as mais distintas finalidades. Tais fenômenos deram origem novos e distintos desafios para o Direito, dentre os quais se destaca a necessidade de uma disciplina mais adequada das relações sociais digitais, que tutele os direitos fundamentais dos cidadãos e proteja algumas das conquistas mais relevantes da humanidade, a exemplo da liberdade, da igualdade e da democracia.
Ao comentar a governança de dados e a governança de inteligência artificial, Azevedo frisou que "não existe mais uma vida online e offline": "A gente evidencia a formação de uma subjetividade marcada pela informação". Ele também destacou que as tecnologias de inteligência artificial precisam de muitos dados, produzidos por humanos (dados autênticos), ao mesmo tempo em que também produzem dados (sintéticos). “O que vemos é que se inicia uma inversão na produção de dados: os dados autênticos estão se esgotando e os sintéticos tendendo a dominar. Isto pode causar problemas e riscos de que pesquisas científicas percam a qualidade e a acurácia, devido à fonte dos dados”, ponderou.
Do ponto de vista do Direito Civil – principalmente do Direito do Consumidor -, existe uma “dimensão coletiva de coleta de dados pelas big techs, porque não há uma real autonomia da permissão individual” quando a pessoa clica em “aceitar” em um termo de serviço de tecnologia, discorre Pedrosa. “Trata-se de prática abusiva, porque os termos de compromisso são longos; a pessoa teria que dispor de horas e horas para ler o documento com calma, antes de clicar, para dar o aceite bem informado. As big techs não precisam coletar certos dados pessoais para oferecer o serviço, mas o faz porque tem o interesse em oferecer estes dados a terceiros”, disse.
Pedrosa enumerou três críticas à coleta de dados em massa por parte das big techs. A primeira é a falta de exercício autônomo de escolha informada pelo consumidor. A segunda é a assimetria de informações: “A big tech sabe mais sobre como vai usar os dados do que quem está fornecendo”. A terceira, consequência da segunda, é que existe um “forte desequilíbrio contratual”, e a “confiança perde importância”. “Celebramos contratos com base na confiança de que o contratante vai cumprir o que está escrito. A gente cede uma quantidade enorme de dados em trocar de serviços simples, gera novas práticas neocoloniais”, afirma Pedrosa. O especialista explica que esta é uma característica do neocolonialismo (colonialismo de dados), que é equivalente a uma “mineração extrativista de dados”, em que os “dados do Sul Global alimentam os lucros de grupos bilionários que mantém suas riquezas no Norte Global”.
Natália Silveira, por sua vez, também discutiu a soberania digital, mas da perspectiva do feminismo, citando como exemplo casos de imagens geradas por IA que são usadas para cometer violência contra mulheres. “Há uma percepção de um continuum: nada acontece na fronteira digital que não aconteça no ambiente presencial”, afirma, acrescentando que, no digital, as pessoas tendem a se sentir mais “livres” para cometer tais crimes devido à percepção de anonimato, de estar em meio a comunidades de outras pessoas que vão se manifestar da mesma forma, tendo mais “coragem” na fronteira digital do que teriam no ambiente presencial.
“São novas formas de violência contra a mulher, contra as quais não basta nosso velho ímpeto de punir, simplesmente. É necessário que as big techs estejam sob regras de controle e transparência digital, inclusive quanto ao viés de confirmação do algoritmo”, avalia Natália, lançando a provocativa pergunta: “O que perdemos para sermos incluídos nesta fronteira digital?”.
Organizada pelo IBGE, com apoio do Governo do Estado da Bahia, da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (FIEB), do Senai Cimatec, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e da União dos Municípios da Bahia (UPB), a Conferência Nacional dos Agentes Produtores e Usuários de Dados (CONFEST/CONFEGE) tem patrocínio do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) e Banco do Nordeste do Brasil S.A. (BNB).
Serviço:
Conferência Nacional dos Agentes Produtores e Usuários de Dados (CONFEST/CONFEGE)
Tema: Uma proposta de Plano Geral de Informações Estatísticas e Geográficas (PGIEG) para o Desenvolvimento do Brasil na Era Digital, no período entre 2026 e 2030.
As mesas internacionais terão tradução.
Data: 3 a 5 de dezembro, em Salvador (BA)
Local: Instalações do SENAI Cimatec e do SESI
Endereço: Av. Orlando Gomes, 1845 – Piatã.